Discussão
A temperatura central (TC) é um dos parâmetros fisiológicos do corpo mais rigorosamente controlados e é normalmente mantida dentro de limites bem definidos. O sistema termorregulador permite pequenas variações em torno de 37°C para a manutenção de suas funções metabólicas e homeostáticas ideais.
Hipotermia é definida como uma TC inferior a 36°C. A monitorização por TC durante a anestesia proporciona a detecção precoce da hipotermia que está associada a numerosas complicações (7).
A temperatura da pele muda de acordo com a temperatura do ambiente. Entretanto, a temperatura dos tecidos profundos permanece constante. Isto é conseguido devido ao nosso sistema termorregulatório, que está organizado em vias aferentes, centro integrador e vias eferentes, sendo que o hipotálamo é o centro termorregulatório primário integrando as várias entradas aferentes coordenando as respostas necessárias para manter a normotermia. A forma exata como o corpo estabelece os limiares de temperatura é desconhecida, entretanto, pensa-se que envolve potenciais inibidores pós-sinápticos modulados por vários neurotransmissores como noradrenalina, dopamina, serotonina, acetilcolina e prostaglandinas. Estes limiares variam diariamente em torno de 0,15 a 1°C com vários fatores, tais como ritmo circadiano, exercício e infecção. Após a integração, e se a temperatura estiver fora desta faixa interalmbros, uma resposta é desencadeada.
Além da exposição do paciente ao frio do centro cirúrgico, o paciente anestesiado é incapaz de desencadear respostas comportamentais e é também propenso à perda de calor através da ação vasodilatadora de agentes anestésicos. O limiar de resposta ao calor é geralmente bem preservado durante a anestesia, entretanto, há uma acentuada diminuição linear do limiar de resposta ao frio com vasoconstrição e tremores quando são utilizados opiáceos e anestésicos voláteis. Eles também têm um efeito direto no hipotálamo (7,8).
Na SAB, a redistribuição é a principal causa de hipotermia no paciente cirúrgico e é devida à vasodilatação causada pelo bloqueio simpático. Este efeito é máximo durante os primeiros 30 a 60 minutos e depende da extensão do bloqueio. Outro mecanismo que leva à hipotermia nestes pacientes é a perda da vasoconstrição termorregulatória abaixo do nível do bloqueio. Em pacientes submetidos à anestesia combinada, o risco de hipotermia será maior, devido à diminuição do limiar de tremor e à inibição da vasoconstrição induzida pela raquianestesia (7).
Todas essas alterações explicam a hipotermia durante a anestesia geral ou loco regional, que pode ser facilmente evitada e reversível através do aquecimento ativo (padrão ouro) (9).
No caso do nosso paciente, a hipotermia mantida após a resolução do bloqueio sensorial, a ausência de resposta às medidas de aquecimento realizadas e a resposta mal-adaptativa com sudorese não pode ser explicada apenas pelo bloqueio subaracnoideo.
Após pesquisa na literatura, concluiu-se que a hipótese mais provável seria a administração intratérmica de morfina.
O mecanismo pelo qual a morfina intratérmica produz este efeito ainda não foi totalmente elucidado. Alguns autores demonstraram que a morfina espinhal tem intensificado a hipotermia causada pela anestesia subaracnoidea em gestantes submetidas à cesárea e em um caso após uma artroplastia total do joelho eletiva. Todas as pacientes queixaram-se de náusea e diaforese (2-6).
Sabe-se que os opióides estão diretamente envolvidos na termorregulação e determinam o limiar de temperatura interagindo com os receptores δ no hipotálamo, levando a respostas pouco adaptativas como o suor que pode exacerbar a hipotermia e contribuir para uma falsa sensação de calor. A hipotermia e sudorese observadas em nosso paciente podem estar relacionadas à dispersão cefálica de morfina no líquido cefalorraquidiano devido às suas características hidrofílicas, levando a um distúrbio da termorregulação após alcançar os receptores δ no hipotálamo.
Para resolver a condição, alguns autores administraram lorazepam com sucesso, e pensa-se que a interação com os receptores GABA A pode ter modulado a termorregulação no hipotálamo. Não há, entretanto, evidências que apóiem esta abordagem (3, 4).
Outros autores administraram naloxona, que é um antagonista competitivo dos receptores opióides revertendo sua ação. Houve resolução do quadro, objetivada pela redução do suor, e aumento da temperatura corporal após a administração do mesmo (2, 5, 6).